...
Ela sorriu, mas não durou.
Veio àquela lembrança de sempre e ele partiu com medo.
Já não a visitava com frequência e quando assim o fazia, assutava-se com suas loucuras.Ela novamente tentou, mas dessa vez, seu rosto nem sequer movimentou.
Assustada desceu as escadas, tão decidida, como nunca antes.Cruzou a cozinha, o corredor e parou na sala.A TV ligada e um cheiro familiar debruçado no sofá vermelho encarnado assistia atento ao patético programa de Domingo, nem seuqer percebeu o desespero em seus olhos.
Mesmo assim ela pensou desistir, mas logo desistiu de desistir.Calçou as botas, vestiu o casaco que estava estendido nas costas da cadeira ao lado da porta e olhou seu reflexo no quadro à sua frente, olhou-se com medo e ao mesmo tempo uma espécie de orgulho estranho e se foi.Dia frio, sem cor.A ventania parecia trazê-la mais e mais recordações de tempos bons, felizes talvez.Ela olha as pessoas envergonhada como se todas soubessem o que ela pretendia.Por vezes, se questionou estar certa e sempre tinha a mesma resposta em sua emnte, não!Acho que por isso continuou.Durante toda sua vida fez o que estava dentro da razão, do que era mais sábio e correto, mas agora estava decidida a fazer diferente, estava decidida a mudar seu destino a deixar a insensatez comandar suas vontades.
Depois de caminhar por mais de uma hora, avistou o antigo prédio de número 43 da rua de sua infância.A ruazinha tranquila cheia de árvores e cheiros antigos, lembranças quase tocáveis.Ela podia ver as crianças brincando na pequena praça em frente, inclusive ela.Podia se ver com um vestido amarelo de bolinhas brancas que ganhou de sua avó e um chapeuzinho cor-de-rosa com flores miúdas na aba.Sentiu o cheiro de colônia fresca que sua mãe passava pela manhã ao acordar e também do cheiro de folhas secas do Outono daquele ano.Ali ela foi feliz e o sorriso a visitava todos os dias e quase sempre o dia todo.O velho porteiro era o mesmo e a reconheceu contente, contou um pouco do que aconteceu com seus vizinhos, dos rumos que deram as suas vidas e que algumas famílias ainda continuavam morando ali.Ouviu, mas já não se interessava pelo presente.Pediu para subir até a caixa d´água, pois era o seu lugar predileto na infância, seu esconderijo secreto, seu refúgio.Gostava de fugir para lá quando apanhava do pai ou simplesmente quando queria ver melhor o pôr-do-sol, lá do alto sentia-se superior, intocável, bobagem de criança.
A paisagem mudou, mas não muito.E a vontade de encontrá-lo tornava-se cada vez mais intensa.Sentou-se na caixa d'água e esperou silenciosamente a hora do pôr-do-sol, sem Sol.Naquele dia ele não apareceu, o céu estava pálido, um branco fosco e sem expressão.Parecia triste, sem vida.Os sinos da capela batem.São seis horas em ponto, ela acorda do transe e vê que está na hora de ir.Levanta devagar, limpa com cuidado a calça e caminha em direção a mureta de proteção da caixa d'água.Sua vontade de vê-lo é maior do que seu medo de altura, ela sobe sem olhar para baixo, equilibra-se, fecha os olhos e sente o vento frio acariciando seus cabelos.Imagina-se quando subia na árvore para pular de barriga na lagoa e sorria com o estalo na água.Começou a ouvir seu sorriso e foi em busca dele que ela veio, foi em busca dele que ela resolveu pular novamente na lagoa, para ver se o encontra lá no fundo, no fundo de si.
...
Lua
Nenhum comentário:
Postar um comentário