quarta-feira, outubro 24, 2007

Doce Lar


Quando menos se espera
encontra-se o amor
em uma esquina
acenando com o olhar
pedindo pra ficar
com malas e retratos
lembranças
e esperanças
.
Quando menos se espera
ele já está dentro da gente
uma flor, uma luz
um sorriso inesquecível
sonhos eternos
na magia do cotidiano
entranhados
no coração
.
Quando menos se espera
ele toma forma
passos no corredor
sombras no abajur
cheiro no jardim
e mesmo quando não está
se faz presente
mesmo assim
.
Quando menos se espera
tudo aconteceu
eu e você você e eu
na parede da sala
num retrato feliz
e embaixo a seguinte legenda:
o amor reina neste lugar
lar doce lar
.
Lua


quinta-feira, outubro 18, 2007

"La danse"

olhando para dentro de si
ela rodopia e cai
colorida e leve
como a sua saia
quando ela a tira
para dançar o amor
à noite inteira

chaque soir.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Inverso

toca
com a ponta
e escorre
manchando
todo o rosto
de preto
borrando
a triste
expressão
saudosa
.
.
.
tua
não
mais
minha.

Lua

quarta-feira, outubro 10, 2007

Para Ernesto e Che

homem
mortal
eterno
herói
pai
filho
marido
irmão
guerrilheiro
sonhador
corpo flácido
morno
olhos vivos
sorriso sereno
diário de palavras
farrapos nos pés
descanso da luta
de dias
e noites
sem cessar
causa perdida?!
não!
a vitória
só começou
e a morte
não apagou
o vermelho
do sangue
da luta
da causa
da bandeira
do coração
estilhaçado de bala
mas palpitante
por toda a história
até o fim
e se o fim
existir
será vermelho.

segunda-feira, outubro 08, 2007

40 anõs sin Che
Breve meditação sobre um retrato de Che Guevara



Por José Saramago

Não importa que retrato. Qualquer um: sério, sorrindo, arma em punho, com Fidel ou sem Fidel, dizendo um discurso nas Nações Unidas, ou morto, com o dorso nú e olhos entreabertos, como se do outro lado da vida ainda quisera acompanhar o rastro do mundo que teve que deixar, como se não se resignasse a ignorar para sempre os caminhos das infinitas criaturas que estavam por nascer. Sobre cada uma dessas imagens se poderia reflexionar profundamente, de um modo lírico ou de um modo dramático, com a objetividade prosaica do historiador ou simplesmente de alguém que se dispõe a falar do amigo que descobre haver perdido porque não o chegou a conhecer.Ao Portugal infeliz e amordaçado de Salazar e de Caetano chegou um dia o retrato clandestino de Ernesto Che Guevara, o mais célebre de todos, aquele feito com manchas fortes de negro e vermelho, que se converteu na imagem universal dos sonhos revolucionários do mundo, promessa de vitórias a tal ponto fertéis que nunca poderiam se degenerar em rotinas nem em exepcismos, antes dariam lugar a outros muitos triunfos, o do bem sobre o mal, o do justo sobre o inícuo, o da liberdade sobre a necessidade. Emoldurado ou fixo na parede por meios precários, esse retrato esteve presente em debates políticos apaixonados na terra portuguesa, exaltou argumentos, atenuou desânimos, namorou esperanças. Foi visto como um Cristo que havia descido da cruz para descrucificar a humanidade, como um ser dotado de poderes absolutos que fosse capaz de extrair de uma pedra a água na qual se mataria toda a sede, e de transformar essa mesma água no vinho com que se beberia o esplendor da vida. E tudo isto era certo porque o retrato de Che Guevara foi, aos olhos de milhões de pessoas, o retrato da dignidade suprema do ser humano.Mas foi também usado como adorno incongruente em muitas casas da pequena e da média burguesia intelectual portuguesa, para cujos integrantes as ideologias políticas de afirmação socialista não passavam de um mero capricho conjuntural, forma supostamente arriscada de ocupar ócios mentais, frivolidade mundana que não pôde resistir ao primeiro choque da realidade, quando os fatos vieram exigir o cumprimento das palavras. Então, o retrato do Che Guevara, testemunha, primeiro, de tantos inflamados anúncios de compromisso e ação futura, juiz, agora, do medo encoberto, da renúncia covarde ou da traição aberta, foi retirado das paredes, escondido, na melhor da hipóteses, no fundo de um armário, ou radicalmente destruído, como se fosse motivo de vergonha.Uma das lições políticas mais instrutivas, nos tempos de hoje, seria saber o que pensavam de si mesmos esses milhares e milhares de homens e mulheres que em todo o mundo tiveram algum dia o retrato de Che Guevara na cabeceira da cama, ou na frente da mesa de trabalho, ou na sala onde recebiam os amigos, e que agora sorriem por haver acreditado ou fingido crer. Alguns diriam que a vida mudou, que Che Guevara, ao perder sua guerra, fez perder a nossa, e por tanto era inútil chorar, como uma criança que chora pelo leite derramado. Outros confessariam que se deixaram envolver por uma moda da época, a mesma que fez crescer barbas e cabelos, como se a revolução fosse uma questão de barbeiros. Os mais honestos reconheceriam que lhes dói o coração, que sentem em um movimento perpétuo de um remordimento, como se sua verdadeira vida houvesse suspendida o curso e agora lhes perguntasse, obsessivamente, aonde pensam que vão sem ideais nem esperança, sem uma idéia de futuro que dê algum sentido ao presente. Che Guevara, se assim pode dizer, já existia antes de ter nascido.Che Guevara, se assim pode afirmar, continua existindo depois de morto. Porque Che Guevara é somente o outro nome do que há de mais justo e digno no espírito humano. O que devemos despertar para conhecer e conhecemos, para agregar o passo humilde de cada um ao caminho de todos.
José Saramago, escritor e Premio Nobel de Literatura.

terça-feira, outubro 02, 2007

Por tanto querer...


"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro.
Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. "

Caio Fernando