A vida como ela é...
Ela entrou pela porta da frente como se anunciasse mais uma despedida. Olhar assustado, mas decidido. O medo dele transpareceu em seu semblante e ela pôde senti-lo em seus olhos. Talvez isso a tenha dado mais coragem para manter-se firme em sua decisão. Como em todos os dias ela tirou as sandálias e as deixou no canto da sala, mas precisamente no lado esquerdo da porta da frente, ligou o som e correu para a cozinha, pois tinha que preparar um café. Ele acompanhou atento, meio bobo, todos os seus mínimos movimentos como se fosse a primeira vez que a visse ou pelo menos, gostaria que assim fosse. Mas, não era, e ele não podia continuar a enganar-se de tal forma. O café já começava a cheirar e ela cantava alto sua música preferida que chegava quase como um sussurro na sala. Aquela música enchia sua alma de alegria e alto-estima, trazia também boas lembranças de tempos não muito distantes, mas isso agora não importava tanto. Ele resolveu ir a cozinha no intuito de tomar um café e olhar novamente para ela, queria ver se continuava com aquele deslumbre bobo que sentira há poucos minutos ou se a ilusão já havia sumido. Encostou-se à parede ao lado da porta e a olhou. Ela como sempre despercebida, continuava cantando alto e lavando as xícaras, molhando um pouco a camiseta lilás de malha e a calça jeans desbotada, apesar de nova, e batendo o pezinho descalço como se acompanhasse o compasso da música. Naquele momento ele sorriu e a amou, não da mesma forma, mas amou. Era como se aquele sentimento o tomasse com um fulgor indescritível. Quando ele percebeu que ela estava prestes a se virar, desviou estrategicamente o olhar para os pães e biscoitos que estavam na mesa. E mais uma vez, o amor torna-se mero coadjuvante.
Renata Maria